O ano era 2001. Dentro de uma igreja local havia vários jovens que conversavam a respeito do pecado e suas consequências. O mais efusivo em suas palavras era o jovem Marcelo, de 17 anos, líder daquele grupo. Em suas palavras, ensinava como cada jovem deveria se comportar dentro e fora da igreja, e mostrava a importância de seguir um padrão moral e ético. Vários temas foram debatidos, assuntos leves e outros pesados como namoro e sexo antes do casamento. Marcelo defendia veementemente que o namoro deveria seguir um padrão de Deus, mantendo o respeito e a santidade como forma de preparo para o casamento.
Muitos daqueles que estavam ali, admiravam a sabedoria do rapaz, de como ele usava a bíblia de forma coerente aos seus pensamentos, e se perguntavam: como sendo tão jovem, ele conseguia ser tão inteligente? Marcelo era filho de pastor, sua mãe, uma grande líder espiritual, daí talvez, esse o motivo de tamanha eloquência… Ele nasceu praticamente dentro da igreja e toda sua educação foi baseada em princípios morais que, segundo seus pais, eram princípios baseados na Bíblia e em Deus.
Alguns dias após essa reunião de jovens, Marcelo foi flagrado atrás da igreja, aos beijos e “amassos”, com uma adolescente do mesmo grupo que ele liderava.
A história que acabaram de ler é real, e aconteceu na cidade de Belém do Pará. Eu fazia parte desse grupo de jovens e ouvia atentamente a cada palavra de Marcelo (nome fictício e foi inventado para preservar a identidade do jovem). O fato é que, depois do ocorrido, percebi o quanto nossas igrejas estavam cheias de uma falsa moralidade, travestida de evangelho. Um erro que pode se tornar mortal para muitas pessoas.
Em 1982, o médico e romancista Ferrol Sans publicou um livro que, anos mais tarde, se tornou uma trilogia. No livro, Sans conta sua própria infância no condado de Fayette na Geórgia, Estados Unidos, onde narra a dura tradição enraizada em sua família de se “educar corretamente” uma criança. O romancista explicou como uma criança, que é educada nesses padrões, conseguia agradar não só os seus pais, mas também aos outros adultos, e que na verdade, tudo isso, não passava de meras convenções morais e etiqueta social.
Ao analisarmos nossa sociedade atual, verificamos que ela se comporta nos mesmos moldes da família de Ferrol Sans, lá na década de 80, sendo que as igrejas, são as maiores responsáveis por fomentar esse comportamento. Na cabeça de muitos religiosos, um jovem que é “educado corretamente” transforma-se em um adulto obediente às leis, que respeita seus vizinhos e atende de forma cabal às expectativas de seus pais e da igreja.
Mas, na contramão de tudo isso, o que vemos são jovens e adultos que mesmo sendo educados de “forma correta”, continuam a agir de forma errada no dia a dia. E muitos, por não suportarem mais o fardo do moralismo, estão saindo dos templos, se perdendo no meio da multidão.
O moralismo travestido de evangelho é uma das piores aberrações existentes em nossas igrejas, pois através desse pensamento, pessoas são aprisionadas à costumes, e fadadas a seguirem uma etiqueta moral. E para defender essa ideia, muitos líderes religiosos apelam para o medo, pois o medo é uma arma poderosa na mão da religião.
Cristo nos chamou para liberdade, para que pudéssemos ser livres em nossas escolhas e atitudes, tendo como base o respeito mútuo e o amor para com Deus e para com os outros. Mas o ensino do moralismo na igreja reduz a Bíblia em um livro que contém apenas códigos para o comportamento humano, fazendo com que muita gente pense que por meio de suas boas obras ou atitudes, possam alcançar a salvação.
Para corrigir esse pensamento, devemos recorrer ao evangelho: o apóstolo Paulo, por exemplo, demonstra de forma clara essa correção quando diz: “a salvação vem para aqueles que são “justificados” pela fé em Cristo, e não pelas obras da lei; porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada” [Gl 2.16].
Sem essa correção, pessoas continuaram a se comportar de “forma correta” na frente dos outros e dentro das igrejas, mas por trás continuarão a ser intolerantes, pais continuarão maltratar seus filhos, esposos continuarão a agredir suas esposas… no final, muita gente que foi “educada corretamente” povoará o inferno ao invés do céu. É preciso que a igreja retorne ao evangelho de Cristo.
Por Demax Silva - Colunista do podcast Outside
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